PODEMOS TER SMART CITIES SEM SMART STUDENTS?

Minha primeira experiência como empresário foi inicialmente fantástica e posteriormente traumática. Tinha pouco mais de 20 anos e pude experimentar o processo de construir uma empresa do zero, projetando estrutura, recursos e equipe. É uma sensação incrível! Mobilizar nosso espírito empreendedor é essencialmente desenvolver o país.

Cedo descobri, contudo, o quanto é difícil ser empresário no Brasil: estávamos sempre perdendo muito tempo em questões burocráticas de abertura e licenças, gastando muito dinheiro em impostos e taxas incompreensíveis e ouvindo sempre a pergunta, de familiares e amigos, por que não eu queria fazer um concurso público? Um ano depois do início, a pá de cal: o Plano Collor e a recessão que se seguiu sepultou de vez minha jovem empresa.

A frustração, por outro lado, não conseguiu inibir meu espírito empreendedor. Fiz vestibular novamente e passei para Administração de Empresas firmemente decidido a aprender a ser empresário, mas descobri ao longo do curso que essa carreira forma gerentes, não empreendedores. Nunca fez nenhum sentido para mim esta constatação: por que alguém queria aprender alguma coisa tão valiosa para buscar um emprego depois? Eu imaginava que, sabendo administrar uma empresa, faria muito mais sentido abrir um novo empreendimento e contribuir para a geração de mais empregos ainda.

Decidi investigar mais o assunto e o faço até hoje: dediquei meus últimos vinte anos como pesquisador de Aprendizagem em Administração. O que eu quero discutir neste artigo são as barreiras que percebi para que haja uma educação empreendedora no Brasil.

Para início de conversa, é necessário dizer que os empreendedores no Brasil não são poucos, segundo o GEM 2017: eles representam 36% da população adulta, sendo que 20% destes em novos negócios. É preocupante descobrir, entretanto, que 4 em cada 10 deles empreende por necessidade, ou seja, pela ausência de alternativas para a geração de sua própria ocupação e renda, e não por terem percebido uma oportunidade no ambiente em que vivem.

Uma das razões para a falta de empresários seriais é que nosso sistema educacional é um obstáculo à formação de empreendedores em todos os níveis. O sentido da educação no Brasil é muito centrado na transmissão de saberes e na aprendizagem pouco afeita à prática ou aos questionamentos. Melhor professor quanto mais conteúdos passa, melhor estudante quanto mais conteúdos absorve. Mas é inegável dizer que se essa lógica envelheceu já nos tempos de Paulo Freire, imagine agora que todos os conteúdos podem ser encontrados no Google. Ela definitivamente não serve à formação de empreendedores.

Numa educação empreendedora, centra-se menos em conteúdos ensinados e mais na resolução de problemas. O professor cede a centralidade para o estudante, que deve gerar seu saber empreendedor de acordo com os objetivos de formação que persegue. O sistema educacional tem que estimular o protagonismo do estudante. Que futuro ele desenha para si, e como ele pode transformar essa visão em realidade? Destas perguntas surgem formações vocacionadas, carreiras promissoras e empreendimentos inovadores.

Vivemos num mundo onde cada vez mais a tecnologia dominará todos os campos de ocupação antes destinados aos seres humanos. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que aproximadamente 60% das ocupações humanas serão automatizadas até 2065. São ocupações essencialmente rotineiras, que podem ser mapeadas e executadas com mais velocidade e precisão por computadores e robôs. É uma realidade que os nossos estudantes atuais em todos os níveis viverão. Submetê-los hoje a uma educação tradicional é condená-los a uma existência de desemprego e ausência de significado social.

Com essas preocupações em mente, a educação empreendedora avança no mundo. Ainda que tenhamos um número expressivo de empreendedores, à frente da China (26,7%), dos Estados Unidos (20%) e dos países em desenvolvimento, estamos falhando em criar um ambiente propício ao empreendedor – educacional, regulatório e tecnológico. À exemplo do Vale do Silício, países como Israel, França, Irlanda e Portugal, entre outros, tem conseguido se destacar na abertura de startups justamente por atacarem essas lacunas. E o tema de muitas destas novas empresas é a facilitação da vida cidadã proporcionada por cidades inteligentes.

O conceito de cidades inteligentes (smart cities) é baseado no avanço da infraestrutura urbana com o auxílio de tecnologia. Para tanto, é necessário utilizar equipamentos com capacidade de gerar informação e comunicação a fim de permitir a categorização e análise de uma grande massa de informação, necessários para construir planejamento e gestão urbanas com base em algoritmos aplicados à vida urbana. O objetivo é tornar os centros urbanos mais eficientes e melhores de se viver.

Essencialmente, estamos falando da utilização de tecnologia para resolver problemas cotidianos como transporte, segurança, saúde, habitação e sustentabilidade por meio da criação de uma economia criativa. No entanto, sem o devido suporte educacional não teremos gente brasileira nem para criar as soluções urbanas nem para melhorar a qualidade de vida da população. Só nos restará importar soluções de centros urbanos mais criativos e, em troca, exportar empregos e riquezas.

Assim, formar estudantes que sejam protagonistas de sua própria história é o desafio do dia no Brasil. A educação empreendedora deve pautar todos os níveis de ensino, pois não há meios de desenvolver o país se não desenvolvermos a criatividade de toda a população jovem que já está hoje em sala de aula. Desde a mais tenra idade, devemos estimulá-los a buscar soluções para problemas reais que enfrentamos como cidadãos, mas ao fazê-lo devem aprender a pensar de forma não-convencional. A cidade, com o auxílio da tecnologia, é um locus fértil para todo tipo de aprendizagem e inovação!

Alexandre Nicolini, Membro do Conselho Consultivo da Transparência Consultoria. Conselho Empresarial de Educação da ACRJ. Doutor em Administração, com estágio na Université Paris Dauphine (Paris IX); Mestre em Administração Pública e Administrador pela FAF/UERJ.